Quem visita as mineradoras da região Sul do estado pode observar campos cobertos de verde no entorno dos pátios das indústrias que beneficiam mais de 200 mil toneladas do minério por mês. Uma realidade diferente da observada há pouco mais de uma década, quando o rejeito do carvão era espalhado por áreas que somavam centenas de hectares, contaminando córregos, rios e lavouras. Mas, segundo especialistas, este prejuízo ambiental, ocorrido em mais de 100 anos de exploração, deve estar totalmente recuperado até o ano de 2025, num esforço conjunto do governo, órgãos ambientais, mineradoras e sindicato patronal.
Depois de uma ação civil pública na década de 1990, o Ministério Público Federal condenou, no ano de 2000, as mineradoras, a União e o governo do estado a recuperar todas as áreas degradadas pelo carvão. Foi estabelecido um prazo de três meses para a apresentação de um plano de ação. Em três anos, toda a área deveria estar recuperada. “Nesta ação não houve perícia. Não tinham números, dados técnicos e diagnósticos. Não se tinha nada. Precisava-se conhecer o tamanho do problema e a solução para ele”, explica Cleber Baldoni Gomes, engenheiro de Minas, especialista em Segurança e Meio Ambiente na Mineração.
Gomes foi um dos pioneiros nos estudos das técnicas de recuperação da bacia carbonífera catarinense. Ele é membro do Grupo de Trabalho Ambiental (GTA) responsável pelo planejamento e ações na região, formado por especialistas do Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina (Siecesc) e da Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (Satc), representantes das mineradoras, da União, do Ministério Público Federal, da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), do Ministério de Minas e Energia, da Fatma e das prefeituras dos municípios produtores.
“No fim da década de 80, as empresas começaram a se preocupar e se prepararam para a recuperação ambiental. Porém, com a medida do governo (Collor, que extinguiu a produção nacional de carvão para a siderurgia), veio a crise e o setor quase fechou. Não foi investido nada na época”, lembra o especialista. Com a sentença do MP, as mineradoras se viram obrigadas a cumprir as determinações ambientais e passaram a investir em novas tecnologias para a produção limpa.
R$ 100 milhões investidos em recuperação
O carvão em sua forma natural não é poluente, mas na superfície, já manipulado pelo homem, libera enxofre e ferro que se combinam com o oxigênio. Com a chuva, essa mistura gera o ácido sulfúrico, que corre para os rios e baixa o PH (teor de alcalinidade). Abaixo do nível quatro já não há vida. “Foi isso que ocorreu na região, num período de mais de 100 anos”, explica Gomes.
O primeiro passo para a recuperação de uma área é evitar que a chuva entre em contato com o rejeito do carvão na superfície. Deve-se retirar a água contaminada e cobrir a área, não deixando a chuva entrar, e monitorar a impermeabilização do solo. “Tratar a água é muito mais caro, por isso se deve isolar as áreas poluídas”. Usa-se camada de argila sobre a área, que recebe aterro com barro e vegetação. Logo, garante-se o isolamento”.
As mineradoras usam canais no entrono de seus pátios, recolhendo e tratando a água contaminada. O líquido é devolvido ao meio ambiente e também aproveitado para o beneficiamento do carvão na lavagem (processo que separa o rejeito do minério, com a utilização de água e gravidade). “As mineradoras já investiram mais de R$ 100 milhões em 10 anos na recuperação ambiental. São recursos próprios que sangram as empresas. São investidos de 3% a 3,5% do faturamento bruto em recuperação ambiental. Nosso grande pleito é que o governo federal crie linhas de financiamento para projetos de recuperação ambiental em áreas onde a União permitiu a exploração. As empresas precisam destas linhas de financiamento”, reclama o especialista.
Segundo dados do Relatório do GTA 2012, foram poluídos 5.7 mil hectares em Santa Catarina. Destes, mais de mil já foram recuperados. O GTA emite relatórios anuais sobre as áreas restabelecidas. Os documentos ficam disponíveis para consulta no site do Ministério Público.
100% das cinzas recolhidas para indústria do cimento
Além da recuperação das áreas poluídas e das normas ambientais para a produção nas mineradoras, já certificadas pela ISO 14001, os avanços da produção limpa do carvão no Sul catarinense chegaram à fase final da cadeia, na geração de energia termelétrica no Complexo Jorge Lacerda, o maior da América Latina. Cerca de 99% das cinzas do carvão são retidas nas chaminés da usina, sendo 100% vendidas para a indústria do cimento.
“Todo cimento comercializado em Santa Catarina é produzido com o rejeito do nosso carvão”, afirma Artur Ellwanger, gerente de Geração Térmica da Tractebel Energia, que já recuperou uma área de 45 hectares, na qual vai inaugurar um parque ambiental pra comunidade no mês de setembro deste ano. Segundo Ellwanger, 30% do saco de cimento são cinzas da queima do carvão.
Devido a estes avanços para a produção sustentável do carvão em Santa Catarina e à perspectiva de avanços econômicos para a região Sul é que a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) apoia a expansão do minério como fonte de geração de energia elétrica. A Fiesc está articulada com as federações do Rio Grande do Sul e do Paraná em defesa do carvão. “Estamos alinhados com este propósito de recolocar o carvão na reserva energética nacional”, afirma o presidente da Fiesc, Glauco Côrte.
Carvão e desenvolvimento
A pesquisadora do Curso de Engenharia Ambiental da Unibave (Centro Universitário Barriga Verde), Joélia Sizenando, estudou a ocupação territorial da região de Criciúma e os efeitos do carvão na geografia local das comunidades. Mesmo com os danos causados, a pesquisadora comprovou o desenvolvimento de toda uma região a partir do minério. “Desde 2008, quando comecei a pesquisa, cada vez mais tenho certeza do que estou falando. Os problemas ambientais identificados também geraram renda e desenvolvimento econômico e transformaram a região. Não dá pra fechar os olhos para isso”, defende a especialista.
Joélia vai apresentar sua dissertação de Mestrado num congresso internacional de educação ambiental em Marrocos em junho. Vai defender a ideia da exploração consciente do carvão, como forma de geração de desenvolvimento econômico. Sua pesquisa também constatou que mesmo as comunidades sendo de baixa renda, os índices de desenvolvimento humano apontam que as regiões carboníferas do Sul têm índices mais altos do que outras regiões mineradoras do Brasil.
“Em tempos de economia verde, nós pesquisadores não podemos apenas dizer que não devemos explorar o carvão. Temos esse recurso e devemos buscar formas sustentáveis de exploração. Os próprios acadêmicos da área ambiental estão pensando e discutindo a possibilidade da exploração sustentável do carvão. O meio científico já crê nesta possibilidade. Se há regiões no mundo que usam técnicas sustentáveis e exploram, por que não podemos usá-las aqui?”.
Energia sem queimar o carvão
Países desenvolvidos e que têm no carvão sua maior fonte para produção de energia elétrica, como Alemanha e Estados Unidos, pesquisam e desenvolvem novas tecnologia para a exploração limpa do minério. Técnicas como o sequestro do gás carbônico em poços de petróleo desativados, mesmo ainda muito caras, representam o futuro na mineração e a garantia de uma produção cada vez mais ambientalmente correta.
Um estudo americano recente da Ohio State University comprova a possibilidade concreta de extrair o calor do carvão sem queimá-lo, isolando-se também o gás carbônico sem emiti-lo para a atmosfera. Estas novas tecnologias devem ser viáveis daqui a uma década, na mesma época em que em Santa Catarina toda área degradada deverá estar recuperada. Um futuro breve onde a produção limpa do carvão no estado deverá estar multiplicada por três.
“Em 10 anos, saímos do zero para ministrar cursos fora do Brasil sobre a tecnologia que usamos em Santa Catarina. Criamos um grupo para ajudar a enfrentar os problemas. Adaptamos ideias de fora do Brasil para nossa realidade, mas também desenvolvemos tecnologias aqui”, comemora o especialista em Segurança e Meio Ambiente na Mineração, Cléber Boldoni Gomes.
Rony Ramos