A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou ontem (5) o substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 478/2007 que estabelece o Estatuto do Nascituro e prevê, entre outros pontos, o direito ao pagamento de pensão alimentícia, equivalente a um salário mínimo, às crianças concebidas de violência sexual. A proposta segue agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A aprovação do projeto nesta quarta-feira foi uma ação coordenada do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), para garantir um trunfo à bancada evangélica, que promoveu, às 15 horas, uma manifestação diante do Congresso em defesa “da vida, da família e contra o aborto”. A manifestação foi convocada pelo Pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e uma das principais lideranças religiosas do país.
Na prática, é uma reação à parada do movimento gay no último domingo em São Paulo. O objetivo da manifestação é defender os “valores tradicionais da família”, protestar contra o aborto e contra a união homoafetiva e reafirmar o apoio ao Pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
A proposta estabelece também que o nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido, e inclusive “os seres humanos concebido in vitro, os produzidos por meio de clonagem ou por outro meio científico e eticamente aceito”. O texto diz ainda que o nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana será reconhecida desde a concepção.
O debate da proposta foi acompanhado por defensores dos direitos das mulheres, contrários ao projeto, e manifestantes contrários ao aborto e defensores da proposta. As duas partes lotaram a sala da comissão e exibiram faixas e cartazes pró e contra a matéria. O substitutivo, aprovado anteriormente na Comissão de Seguridade Social e Família, modificou o projeto original e ressalvou o direito de aborto em caso de gravidez resultante de estupro, atualmente permitido pelo Código Penal.
Retrocesso
Os contrários ao projeto afirmam que o Estatuto do Nascituro, se aprovado, colocará o Brasil definitivamente na contramão das tendências mundiais no que tange à abordagem legal do abortamento induzido, criminalizando, inclusive, hipóteses em que, atualmente, a prática é permitida no Brasil, como no caso de gestação resultante de estupro, risco de morte para a mãe, ou feto anencéfalo. Para eles, o projeto se insere no contexto de avanço de forças conservadoras e do fundamentalismo religioso, que tenta transplantar para a esfera política e legal crenças de substrato religioso que podem ser seguidas livremente por aqueles que dela compartilham.
O estatuto pretende estabelecer penas mais elevadas para os crimes relacionados ao aborto já existentes e criar novos tipos penais para o tratamento de uma questão cuja tendência mundial é a descriminalização e a substituição do enfoque penal para outro, mais realista, de um problema de saúde pública. Em vários países do mundo, como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Itália e Portugal a sociedade, pelas vias democráticas, resolveu priorizar o direito das mulheres ao próprio corpo em detrimento dos supostos direitos dos zigotos e embriões.
Apesar de a votação na Comissão de Finanças e Tributação não tratar diretamente do mérito da proposta, mas da adequação financeira e orçamentária, a discussão entre os membros do colegiado ficou concentrada em torno da possibilidade ou não do aborto nos casos de estupro.
— O que estamos votando aqui não é o mérito, mas a adequação financeira. Mas também estamos tratando do direito de uma mãe que não queira abortar, mesmo sendo vítima de estupro, de ter o direito a um mínimo de subsistência. Quem é a favor do aborto vota contra o meu parecer, quem é contra o aborto vota a favor. Essa é uma decisão política — disse o relator da proposta na comissão, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder do partido na Casa.
Polêmica
Os deputados do PT na comissão chamaram a iniciativa de “bolsa estupro” e disseram que a proposta fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao não prever o impacto financeiro. Eles ainda discordaram do mérito, sob argumento de que a proposta representa diminuição dos direitos das mulheres.
— O projeto cria despesas sem nenhum tipo de previsão, nem impacto orçamentário. E, no mérito, é um retrocesso na legislação dos direitos das mulheres. É uma dupla violência, pois obriga a mulher a manter contato com o estuprador, mesmo que de forma indireta. O Estado está dizendo: estou pagando pelo seu silêncio e pelo sofrimento — criticou a deputada Erika Kokay (PT-DF).
O deputado Cláudio Puty (PT-PA) disse que a proposta abre brecha para a possibilidade de se criminalizar o aborto, inclusive, nos casos de estupro.
— Essa proposta coloca em primeiro lugar o direito do estuprador, em segundo lugar o direito do feto e, em terceiro lugar, o direito da mulher que foi vítima de uma violência — pontuou o petista.
O Artigo 12 do projeto estabelece que é vedado ao Estado e aos particulares causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum dos genitores. Também prevê que, se for identificado o genitor, ele será obrigado a pagar pensão alimentícia. Caso isso não ocorra, nem a mãe tenha condições financeiras para sustentar a criança, caberá ao Estado o pagamento.
De acordo com a proposta, aquele que causar, culposamente, morte ao nascituro, poderá ser condenado a pena de um a três anos de prisão. A pena será aumentada de um terço se o crime resultar da inobservância de regras técnicas de profissão ou omissão de socorro.
O projeto também proíbe o congelamento, a manipulação ou o uso do nascituro como experimento, com pena de um a três ano de prisão, mais o pagamento de multa. Também poderá ser preso pelo período de um a seis meses aquele que referir-se ao nascituro com palavras ou expressões depreciativas.