Após 12 dias do início da aposentadoria de Bento XVI e de sucessivas reuniões de articulação, 115 cardeais dão início nesta terça-feira ao rito de escolha de um novo papa sem que um deles desponte como nome natural para conduzir a Igreja
Quando a Capela Sistina for lacrada hoje no Vaticano, após as 16h30min (12h30min, no Brasil), isolando 115 cardeais com direito a voto no conclave, terá início uma das eleições mais tradicionais e secretas do mundo. No rito a portas fechadas, os religiosos terão de escolher entre si um substituto para Bento XVI, que renunciou em um momento crucial na história da Igreja Católica.
Durante uma semana, o Colégio Cardinalício manteve reuniões diárias, que duraram até 12 horas, em preparação para o conclave. As longas discussões, que tomaram mais tempo do que o esperado, seriam forte indicativo de que os cardeais chegam à eleição divididos e indefinidos em torno de um nome ideal. Consideradas apenas as projeções e palpites de vaticanistas, três nomes aparecem na dianteira: Angelo Scola, Marc Ouellet e Odilo Scherer.
Arcebispo de Milão, Angelo Scola é apontado como o mais forte e um dos maiores teólogos da Igreja atualmente. Em torno dele, reúnem-se os italianos, a maior representação no conclave, com 28 votos. A favor de Scola, 71 anos, pesa a influência na Cúria e o fato de ter passado por duas das mais importantes dioceses da Itália – além de Milão, Veneza. Segundo o jornal La Stampa, Scola largaria com metade dos votos. São necessários 77 para sair fumaça branca – o sinal de que há um escolhido.
O segundo é Marc Ouellet, arcebispo de Québec, homem de confiança de Bento XVI. Cardeal de sorriso fácil, Ouellet é conservador, mas aberto a relações com todas as correntes da igreja. No pontificado de Bento XVI, foi prefeito para a Congregação dos Bispos, e seu poder na Cúria Romana também contaria pontos.
Odilo Scherer, o terceiro, é novidade – ao menos aos olhos da torcida brasileira – pelo ineditismo de ser um brasileiro badalado pelos vaticanistas e jornais italianos como nome com chances sérias de ser eleito. Em 2005, dom Cláudio Hummes, e em 1978, dom Aloísio Lorscheider, ambos gaúchos como Scherer, também foram cotados. Desta vez, porém, a cotação está mais alta nas bancas de apostas. Ontem, o cardeal de 63 anos estampou mais uma vez as capas dos jornais Corriere della Sera, Il Messaggero e La Stampa.
Um quarto nome ainda correria por fora: Timothy Dolan, arcebispo de Nova York
Por trás dos muros do Vaticano, no entanto, o jogo de poder é intrincado. Todas as possibilidades são baseadas em perfis – trajetória dentro da Igreja – e comportamento dos cardeais. Formalmente, ninguém é candidato. E certamente, as opiniões internas dos religiosos sofrem altos e baixos. Durante as congregações gerais, que se encerraram ontem depois de uma semana de atividades, houve 161 manifestações de cardeais, segundo confirmou o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi.
A coalizão de forças em torno de papáveis é ainda mais candente diante de problemas que mergulharam a Santa Sé numa espiral de escândalos. Casos de pedofilia que se alastram em várias partes do mundo, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, atingiram em cheio a cúpula – o cardeal escocês Keith O’Brien foi obrigado a renunciar, numa manobra para minimizar os danos. De nada adiantou. A pressão foi tão grande que O’Brien teve de admitir abusos nos anos 1980.
Cardeais italianos também foram chamuscados por protestos na Itália. Domenico Calcagno foi acusado de ajudar a jogar um manto escuro sobre casos de abuso que emergiram na província de Savona. Apesar da pressão, ele participará da escolha. Além de não fechar os olhos para a pedofilia, o quesito comprometimento em reformar a Cúria Romana seria condição para arrebanhar votos.
Não é pecado imaginar que, fechados à chave, os cardeais movam-se em grupos e combinem seus votos. Negociações e trocas de informações não são condutas vedadas pelo direito canônico. Só que devem ser mantidas sob rigoroso regime de isolamento e sigilo. Na Casa de Santa Marta não haverá sinal de internet, rádio, TV e jornais. Telefones estão proibidos. Na Capela Sistina, todos deverão, com a mão repousada sobre o Evangelho, jurar segredo. A partir daí, podem proceder para a primeira votação. A tendência é que no primeiro dia a fumaça expelida seja negra.
Novas tentativas serão feitas duas vezes pela manhã e outras duas à tarde nos dias seguintes, até que se chegue ao eleito. Se isso não ocorrer nos cinco dias seguidos, o processo é interrompido para descanso e orações. A projeção, no entanto, é que não será necessário tanto tempo.