Fria, com a cabeça baixa e sem demonstrar arrependimento. Foi assim que Ivone Tramontim Barreto, 56 anos, protagonizou o júri popular de quase 10 horas ontem em Criciúma. A mulher foi condenada a 14 anos de reclusão por homicídio qualificado.
A vítima: o próprio companheiro, Edecir Accordi, na época com 55 anos, com que viveu durante 33 anos até a madrugada do dia 3 de janeiro do ano passado dar outro norte a história do casal por ciúmes e possíveis traições do marido, que trabalhava como motorista de uma banda na época.
A mulher está presa desde o dia do crime no Presídio Santa Augusta, em Criciúma, para ontem retornou na noite de ontem. Durante o um ano e quatro meses no cárcere ela apenas foi transferida algumas semanas para a unidade prisional de Araranguá e realiza atividades laborais no estabelecimento penal.
O Tribunal de Júri, que iniciou às 9h, contou com a presença de familiares, da vítima e da ré, inclusive a mãe dela, de 83 anos, que acompanhou toda sessão, por muitas vezes, emocionada. Ivone, sentada no banco dos réus, permaneceu durante todo o júri com a cabeça baixa. Chorou em alguns momentos, mas na decisão final, demonstrou frieza e indiferença. Ela não tem o direito de recorrer em liberdade.
Pena considerada baixa
A pena foi considerada baixa por policiais, agentes penitenciários, entre outros servidores que atuam na área criminal. O promotor experiente em júri, Alex Sandro Teixeira da Cruz, que atuou na acusação de Diego do Nascimento Burin, 27 anos, assassino de Kenefer Maria de Jesus Guimarães – um dos casos mais repercutidas da esfera policial e judicial dos últimos anos – esperava uma pena de no mínimo 20 anos de reclusão. “Comparando entre um adulto e uma criança, foi o mesmo nível de violência igual o caso Kenefer”, opinou.
No pronunciamento da sentença o juiz da 1ª Vara Criminal, Marlon Jesus Soares de Souza, aplicou em primeiro momento pena de 13 anos e seis meses considerando motivo fútil, impossibilidade de defesa da vítima e pelos severos golpes de marreta e de ter degolado o motorista, caracterizando o meio cruel. Com o agravante de a vítima ser cônjuge da condenada, foi aplicado mais seis meses, resultando em 14 anos em regime fechado. A promotoria deve entrar com o recurso.
O magistrado na leitura da sentença caracterizou Ivone como fria, uma mulher sem arrependimento e de comportamento desajustado.
Por alguns momentos houve debate exarcebado entre promotoria e defesa mais nada que fugisse do controle, sendo rapidamente retornado a normalidade. Alguns familiares da vítima chegaram a ir pela manhã vestidos com uma camiseta com a palavra justiça, mas o titular da 1ª Vara Criminal não permite nenhum tipo de manifestação. Uma faixa com a mesma palavra foi colocada em frente ao Fórum.
Acusação – Promotor Pedro Lucas de Vargas – Réplica e tréplica – Duas horas e meia
O depoimento de Ivone, dos policiais que atuaram na ocorrência e das demais testemunhas ocorreu no período da manhã. O promotor do caso, Pedro Lucas de Vargas, instruiu os sete jurados – cinco mulheres e dois homens – a não tomar decisão com sentimentalismo.
“Não se revolve problemas familiares, problemas conjugais com marreta e faca. Se ela teve condições de pagar dois advogados teria também condições de arcar com um defensor para a separação. Ela agiu de maneira desproporcional. As brigas e humilhações não justificam de ela ter golpeado o marido de surpresa enquanto ele estava sentando no sofá e depois ter o colocado em um carro e degolado. Não se deixem solidarizar com a imagem de uma mulher quase idosa que se parece indefesa. Lembre-se da frieza. Da marreta, da faca. E de todas as contradições que ela teve até chegar aqui”. Vargas ainda disse que a defesa estava tentando transformar a ré em anjo e a vítima em demônio.
“A mãe dela ainda pode visitá-la no presídio. E a mãe do seu Edecir? Houve um homicídio, ela deve pagar. Um erro não justifica o outro. Ninguém socorre alguém levando a um local ermo. A sociedade de Criciúma tem que ter uma resposta sobre esse crime. Graças a Deus a polícia passou bem na hora. Talvez seria um homicídio sem solução”, pontuou. O promotor apresentou um Boletim de Ocorrência registrado pela própria vítima sobre uma lesão corporal. Ivone teria agredido o marido, o ferindo nas costelas com socos, quatro meses antes do homicídio.
Defesa – Advogados: Leandro Alfredo da Rosa e Thiago Turazzi Luciano – Duas horas e meia
A defesa foi presidida no Tribunal do Júri pelo advogado Leandro Alfredo da Rosa. O defensor contou ao júri todo o histórico de sofrimento da condenada. Contou aos presentes, por mais de uma vez, que ela perdeu o primeiro marido, e depois o filho, ambos em acidente de trânsito. Explanou a violência doméstica que Ivone sofria, a violência também psicológica, humilhações e a violência sexual, pois, segundo ele, muitas vezes ela era forçada pela vítima a manter relações sexuais com ele.
Justificou que quando o homem foi colocado no carro, ainda estava vivo e que ela, arrependida de tê-lo agredido, iria procurar socorro, quando no veículo, foi novamente ameaçada, com as palavras “eu vou te matar, matar seus filhos e agora o inferno será bem pior”. Ivone chegou a ser agredida uma vez com um soco na boca, por ter batido o carro, de forma superficial, ainda de acordo com a defesa.
Disse ainda que não tentou a separação, por medo, mas que já havia procurado um advogado, a qual ela não soube lembrar o nome. “Não estamos negando autoria, nem materialidade. Ela não apresenta nenhuma periculosidade. Ivone chegou até a dizer, que era ele, ou ela”, expôs o defensor se referindo ao homicídio. Alegou legitima defesa, injusta provocação da vítima e violenta emoção. Motivou a frieza como reflexo dos antidepressivos e calmantes que utilizados pela mulher.
Textos: Talise Freitas / Clicatribuna